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A Distinção entre Provisões Passivas e Provisões para Contingências Passivas

Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma compreensão da real situação patrimonial de uma célula social,

Resumo:

No âmbito da ciência contábil, a identificação de provisões passivas e provisões para contingências passivas, é importante para que os profissionais da contabilidade, da auditoria, os peritos, os administradores e os utentes dos relatórios contábeis, tenham uma informação precisa para uma correta interpretação do balanço patrimonial.

Tendo como referente o dever dos administradores de informar a real situação patrimonial, demonstraremos as distinções e alguns exemplos, que podem impactar nos dividendos, e no preço patrimonial das quotas/ações.

  1. Introdução:

Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma compreensão da real situação patrimonial de uma célula social, e da importância da necessidade de informações que tragam mais transparência dos negócios em função do dever de informar e de diligência dos administradores.

Se faz necessário uma reflexão em relação à escrituração e divulgação de passivos nas notas explicativas e nos relatórios da administração, conselhos, gestores de compliance, e auditorias, por força dos princípios: da veracidade, da epiqueia contabilística, da prudência, do regime de competência, e dos artigos: 47 e 1.016 do CC/2002.

  1. Desenvolvimento:

As provisões passivas e ativas diferenciam nitidamente das provisões para contingências; e das tradicionais e conhecidas reservas para contingências.

Provisão passiva no sentido lato sensu, ou seja, em sentido contábil amplo, é o reconhecimento de um gasto tido como certo, em função da prática contábil consuetudinária, ou decorrente de leis, do regime de competência, e dos princípios da teoria pura da contabilidade: da fidelidade, da clareza e da epiqueia contabilística. Como exemplos amplos de provisões sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para imposto de renda;
  2. Para contribuição social;
  3. Para a partição nos lucros de empregados, administradores, partes beneficiárias e debenturistas;
  4. Para férias e seus encargos sociais;
  5. Para gratificação natalina e seus encargos;
  6. Para indenização de representes comerciais;
  7. Para pagamento ou creditamento de lucros/dividendos.

Provisão para contingências passivas, o seu registro contábil, está vinculada à gestão de riscos, e no sentido stricto sensu, estas provisões remetem a situações cujo resultado final poderá ser favorável ou desfavorável, mas possíveis de ocorrerem, à luz da razoabilidade, proporcionalidade e probabilidades, por mais remotas que sejam, ou ainda, que venha a depender de eventos futuros incertos, como, por exemplo, uma decisão judicial, prática de ilegalidades que possam, quiçá, não serem penalizadas por circunstância como a prescrição ou a falta de diligência dos agentes fiscalizadores.

Como exemplos amplos de provisões para contingências passivas, sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para rescisões de contratos de distribuição;
  2. Para rescisões de contratos de concessão de venda de veículos: Lei Ferrari;
  3. Por danos oriundos de concorrência desleal ou parasitária;
  4. Por violação dos direitos autorais;
  5. Para danos ou violações do direito dos consumidores;
  6. Decorrente de multas pela não observação de procedimento de segurança dos empregados;
  7. Decorrente de garantias de produtos e mercadorias;
  8. Para reparar danos ambientais;
  9. Para demandas trabalhistas[1];
  10. As tributárias decorrentes de evasão;
  11. As de logística reserva de resíduos sólidos[2];
  12. As vinculadas à acordo de Leniência, Lei Anticorrupção;
  13. As vinculadas a crimes contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo;
  14. As vinculadas a litígios no âmbito da justiça estatal ou no âmbito da justiça privada, ou seja, juízo arbitral.

As provisões e contingências em função de abuso de direito ou de poder dos administradores e dos sócios/acionistas controladores, por infração à lei ou ao estatuto/contrato social, devem ser constituídas e evidenciadas no balanço patrimonial, mas por força da teoria ultra vires[3], não constituem despesas ou perdas, e sim, um direito, um ativo, da pessoa jurídica de receber dos gestores, os valores necessários ao retorno da situação patrimonial existente antes destes atos culposos que geraram danos, arts. 1.011 e 1.016 do CC/2002 e arts. 154, 158 da Lei 6.404/1976. A responsabilidade da pessoa jurídica está prevista de forma clara no art. 47[4] do CC/2002, o que corrobora com o fato de que, atos vinculados à desvio de finalidade, não devem ser suportados pela pessoa jurídica, e sim, pelo administrador. Já que a responsabilidade civil é o instituto jurídico que trata da forma de reparar danos causados à pessoa jurídica pelo seu gestor. Lembramos que o registro de uma provisão para contingências, tendo como contrapartida, o registro no ativo, relativo ao direito da pessoa jurídica de ser ressarcida por atos de desvio de finalidade do gestor, não altera o patrimônio líquido, e nem o lucro ou prejuízo líquido do exercício, mas cria confiabilidade no conselho fiscal. E nos serviços de compliance e da auditoria externa[5], além de se prestigiar a correta informação aos utentes dos relatos contábeis.

Todas as provisões passivas, assim como, todas as provisões para contingências passivas, devem ser necessariamente demonstradas nas notas explicativas, para que, estes atos e fatos, fiquem disponíveis para os utentes das demonstrações financeiras, pois afetam o resultado e o preço patrimonial das ações/quotas.

A ideia falaciosa[6] de que: para as provisões passivas contingentes tidos como prováveis, seja efetuado o provisionamento, e que para os passivos, de possível exigibilidade, sejam apenas incluídos em nota explicativa (sem provisionar) e ainda, para os passivos ditos de exigibilidade remota, ou de apenas indícios, não se faz provisionamento e nem indicação em notas explicativas. Fere o dever de diligência da administração, art. 156 da Lei 6.404/1976 interpretado em conjunto com o arts. 186 e 187 do CC/2002. Pois toda a ação ou omissão voluntária de informações patrimoniais, que implique em dano patrimonial ou moral a terceiros, é possível de responsabilidade. Defendemos que a análise de risco, pela classificação: remota, possível ou provável da exigibilidade de passivos é um embasamento para as notas explicativas, em relação ao grau de julgamento da administração da sociedade, e jamais para justificar a sua omissão na escrituração contábil. A boa-fé dos gestores importa numa conduta de transparência, que exprime a ideia de confiança e passa a se projetar sobre todos os fatos e atos de gestão. A informação sobre indícios ou evidências de passivos não devem ser apenas escrituradas nos relatórios contábeis, elas também devem ser de forma clara para que os usuários possam compreender toda a verdade sobre os passivos, por força da teoria da essência sobre a forma.

O contador, o conselho fiscal, a auditoria interna e a externa, devem estar em “compliance” e cumprir as normas legais e regulamentares, bem como, prevenir, detectar e informar corretamente, qualquer desvio, contingência ou inconformidade que possa ocorrer em uma gestão. E na hipótese do valor da obrigação não poder ser mensurado com suficiente confiabilidade, ou seja, existindo uma dúvida razoável, por força da prudência, adota-se o maior valor.

O dever de informar, é aquele que prestigia toda a comunicação e registro de informações, que modificam ou possam a vir modificar a situação econômica e/ou a financeira de uma célula social. Até porque, sem a informação precisa, o balanço patrimonial deixa de exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa, art. 1.188 do CC/2002. E os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, o que inclui as informações sobre todos os riscos e contingências, art. 1.020 do CC/2002.

E no âmbito do ativo, encontra-se também provisões, como as para perdas com cambiais, com base na média dos anos anteriores; e para perdas com estoques por perecimento que é a “perda do bem em si” e deterioração que é a “degeneração por perda da finalidade do bem por estar fora das especificações técnicas, ou com data de validade expirada”.

Exceto as provisões que a pessoa jurídica tem o direito de receber do gestor. Tanto as provisões ativas como as passivas, representam uma diminuição do resultado do exercício em que foi efetuado o seu reconhecimento, cujas consequências são:

  1. A não distribuição de lucros/dividendos em relação aos valores de lucros, que podem ser afetados no futuro em função do regime de caixa, ou seja, pelo efetivo desembolso não previsto anteriormente;
  2. A adoção de medidas cautelares, prudência, que visam a preservação das informações aos utentes;
  3. A demonstração da situação do patrimônio líquido, considerando os riscos e gastos ainda não desembolsados;
  4. Diminuição da performance dos indicadores financeiros.

E por último, cabe destacar que existe uma diferença entre provisões para contingências (cuja origem representa o reconhecimento de despesas incisos III e IV do art. 187 da Lei 6.404/1976 ou o direito de receber dos sócios/acionistas o reembolso por atos ativos ao objeto social); e as reservas para contingências, art. 195 da Lei 6.404/1976. Pois as reservas são constituídas com base na destinação de parcela do lucro líquido do exercício; e as provisões para contingências, são constituídas quando do reconhecimento de uma despesa, ou ato de gestão temerária, por força do regime de competência, reduzindo o lucro do exercício, se este existir, que é a base para as reservas. As provisões devem ser reconhecidas independentemente da existência de lucro ou de prejuízo no exercício. Já as reservas, só podem ser registradas somente se houver lucro no exercício. E ambas, as provisões e as reservas, devem ser revertidas, no exercício social em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição, fato que também deve ser informado nas notas explicativas ao balanço patrimonial.

  1. Conclusão:

Este artigo se propôs, sem esgotar o tema, a uma reflexão à luz das leis, da ética, dos princípios da teoria pura da contabilidade, do dever de informar e de diligência, em relação à divulgação dos riscos que compõem as provisões para contingências e sua distinção com reservas para contingências. Além de demonstrar, que muitas das provisões para contingência, não tem como contrapeso, as contas de despesas, e sim, o ativo, direito da pessoa jurídica de receber do seu administrador, o ressarcimento por eventuais danos, oriundos de atos de abuso de poder, de direito, ou por violação da lei ou do estatuto/contrato social. O art. 148 da Lei 6.404/1976, prevê a hipótese de garantia, para o exercício do cargo de administrador, o espírito da lei é a preservação da empresa, pois nos casos de violação da lei ou do estatuo social, por parte do gestor, a pessoa jurídica pode executar estas garantias. Ou tomar outras medidas jurídicas, que visem a reparação do dano. Todo contador ou auditor, que por conluio, ocultar contingências, responde solidariamente com o administrador pelos danos.

Diante da responsabilidade dos contadores e dos auditores, ação ou omissão, os gastos com multas, entre outras penalidades por infrações à lei, quando registrados contabilmente como despesa da pessoa jurídica, cria um balanço putativo.

Não existe dúvida de que uma manobra contábil, ou seja, os atos de dirigir o funcionamento dos registros contabilísticos, criando despesas para ocultar obrigações do gestor de reparar danos, gera responsabilidade das pessoas que contribuíram para a prática do ilícito, seja por ação ou por omissão.

Não existe dúvida de que a ausência dos registros das provisões para contingências passivas, é uma das formas criativas de se maquiar um balanço patrimonial, para que este fique mais “bonito” diante de uma análise de indicadores econômicos e financeiros. Serve até para ocultar os atos danosos, por culpa ou por dolo, de uma gestão temerária.

Concluindo-se que os contadores, os membros do conselho fiscal e do conselho de administração, os auditores, os administradores, e os sócios/acionistas controladores são responsáveis pela correta informação da situação patrimonial, incluindo-se os riscos que possam gerar os passivos tidos como provisão para contingências.

BRASIL. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

_____. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

_____. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.


[1] As contingências trabalhistas têm amparo no regime de competência, art. 177 da Lei 6.404/1976, e na CLT, Lei 13.467 de 2017, arts. 10-A e 11, que tratam da responsabilidade do sócio retirante e da prescrição dos direitos trabalhistas.

[2] Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

[3] Por força da teoria ultra vires, a pessoa jurídica não responde além dos poderes concedidos. Os poderes são os atos regulares de gestão, sendo os sócios administradores responsáveis pelas obrigações, resultantes dos atos praticados por excesso de poderes ou contrários à lei. Esta teoria é muito difundida na literatura, gozando de prestígio internacional em decorrência de sua importância, face a necessidade de separar as responsabilidades de um administrador das de uma sociedade.

[4] CC/2002, art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

[5] A auditoria externa deve aplicar o máximo de cuidado e zelo, na avaliação de riscos do seu labor, no planejamento e na realização dos trabalhos, e na exposição de suas conclusões, inclusive no que diz respeito a revelar os atos ou fatos, decorrentes de problemas vinculados à desvio de finalidade da gestão, que criam as provisões para passivos contingentes. Tendo a obrigação de no mínimo, apresentar um parecer, sua opinião, com ressalva, em relação a fatos que não podem ser imputados à pessoa jurídica, como previsto no art. 47 do CC/2002.

[6] Uma ideia falaciosa, é aquela que parte de premissas equivocadas, como a falsa expectativa da administração, de que atos contrários à lei, por ela praticados, podem ser consideradas como uma penalidade ou exigibilidade de caráter remoto ou apenas possível de ocorrerem.

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