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A isenção para R$ 5 mil e a Reforma Tributária da Renda: prioridades para 2025

Quando se fala em prioridades e urgências para o país, todos lembrarão da necessidade de garantir mais oferta de alimentos e baixar os preços, baixar os juros e oferecer crédito mais barato, combater a violência urbana e rural, frear a degradação do meio ambiente.

Quando se fala em prioridades e urgências para o país, todos lembrarão da necessidade de garantir mais oferta de alimentos e baixar os preços, baixar os juros e oferecer crédito mais barato, combater a violência urbana e rural, frear a degradação do meio ambiente. Muitos mencionarão a importância de se continuar a melhorar os níveis de emprego e renda, que tiveram avanços recentes –embora persistam a excessiva informalidade e a precarização do trabalho – e por aí vai.Enfim, o conjunto de necessidades é muito extenso, mas poucas coisas costumam ser lembradas como prementes.

Neste artigo, cuidamos daquela que é, ao nosso ver, a principal questão estrutural do país, a desigualdade, e abordamos uma das suas principais causasque é a estrutura tributária. Defenderemos que a Reforma Tributária da Renda é a que mais interessa ao povo brasileirocomo um todo, e que essa reforma é urgente e seria bom que ocorresse ainda neste ano.

A tributação sobre a renda é muito menor no Brasil que a da média dos países desenvolvidos, além de ser mais regressiva que progressiva: a renda dos muito ricos é subtributada e isso é compensado pela tributação excessiva das rendas mais baixas e por uma elevada carga sobre o consumo de bens e serviços, bem acima da média dos países desenvolvidos e mesmo dos emergentes.

Existe um consenso de que precisamos reduzir desigualdades. As discordâncias aparecem na hora de adotar as ações concretas: quem concorda que será necessário atacar privilégios para possibilitar a redistribuição? A maioria concorda, mas não aqueles que deles se beneficiam ou os que entendem os privilégios como justificáveis. E no que tange à tributação, essas duas categorias estão majoritariamente representadas no Parlamento brasileiro e oferecem intensa resistência aos primeiros esforços do Executivo nesse sentido.

A reforma que pode agravar a regressividade tributária

Não se espere que a reforma recém-aprovada, restrita aos tributos indiretos, sobre o consumo, vá reduzir desigualdades como tem sido alardeado. A reforma alargou a base dos tributos ao incluir não apenas as mercadorias e serviços, mas também bens imateriais e direitos.

Ampliou significativamente o direito aos créditos tributários, em benefício especialmente dos exportadores de commodities. Passou a prever uma “alíquota-padrão”, cuja previsão é de que será consideravelmente alta, para todas as operações, eliminando a possibilidade de uma incidência mais gravosa sobre bens de luxo ou supérfluos e minando o princípio da seletividade previsto na Constituição[1].

Passada a fase de transição, os entes federados poderão fixar suas próprias alíquotas específicas. A combinação desses fatores tende a aumentar a carga total indireta e a retroalimentar o mecanismo de concentração de renda e riqueza.

Boa parte da sociedade acreditou que “a reforma tributária” foi apenas a que ocorreu no ano passado e há um esforço dos agentes econômicos para vendê-la como a necessária e suficiente. Mas houve uma anterior: o governo FHC promoveu uma reforma sorrateira – qualificada como “silenciosa” pelo então secretário da Receita Federal – desonerando as rendas do capital do Imposto de Renda e passando a tributar maisos salários, via congelamento da tabela do IR, além de elevar os níveis de carga sobre o consumo.

Então agora há outra reforma a ser feita, a da Renda, que é basicamente refazer esse percurso de volta.

Radiografia da tributação brasileira: um fardo desigual

A carga tributária bruta (CTB) é a relação entre a arrecadação total de tributos pela união, estados e municípios e o Produto Interno Bruto do país e hoje está em torno de 33% do PIB.Desses,14,8 pontos percentuais (44,85% da carga)são de tributos sobre o consumo (ex.: IPI, Cofins e PIS federais, ICMS estadual,ISS municipal). Na média dos 14 países de economia avançada da OCDE[2] (“OCDE-14”), a tributação sobre o consumo corresponde a cerca de 9,7% do PIB, ou 27,7% da carga tributária total média da OCDE, que é de 35% do PIB (IPEA, 2022, pg.21).

Os tributos sobre o patrimônio no Brasil (ex.: ITR federal, IPVA estadual, IPTU municipal) arrecadam cerca de 1,5% do PIB, enquanto nos países da OCDE-14 essa forma de tributação arrecada cerca de 2,4% do PIB.

Quanto aos tributos sobre a renda, os impostos federais sobre a renda de pessoas jurídicas (IRPJ) e das pessoas físicas (IRPF), no primeiro caso a incidência está alinhada com a OCDE-14, ao redor de 3,5% do PIB; porém, no caso do IRPF, Brasil e os países latino-americanos em geral arrecadam cerca de 2% a 3% do PIB, enquanto na OCDE-14essa tributação corresponde a 9% do PIB(IPEA, 2022).

O imposto sobre a renda da pessoa física é o tributo que mais permite que se faça justiça tributária, por ser um tributo direto e pessoal (um CPF = um indivíduo) e porque possibilita tributar no beneficiário final das fontes de renda: um ser humano com nome próprio, nacionalidade e localização – na medida do possível – conhecidos.

Pessoas jurídicas são etéreas: empresas podem ser criadas e extintas, às vezes num mesmo ano, e podem mudar o nome, objeto social e o quadro de sócios (pessoas físicas, outras empresas ou até fundos de investimentos) a qualquer tempo; constituem conglomerados econômicos cujas fontes de renda e patrimônio ficam pulverizados em inúmeras empresas, inclusive no exterior – muitas vezes em paraísos fiscais – e transitam entre empresas em esquemas sofisticados que dificultam muito conhecer os reais beneficiários da geração das riquezas.

Para ser justa, a tributação sobre a renda deve também ser progressiva.

É por isso que a Constituição Federal diz que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”,e isso é um comando constitucional e não uma manifestação de intenção, como parece sugerir a locução conjuntiva adverbial. A tributação no país deveria se concentrar o quanto possível em uma tributação direta, pessoal e progressiva sobre as rendas dos indivíduos.

A tributação sobre o patrimônio (ou propriedade) também permite promover justiça, mas é preciso lembrar que a acumulação de riquezas se produz sobre o excedente de renda. Quem recebe pouco não tem escolha senão gastar toda a renda em itens essenciais. Quem ganha muito satisfaz as necessidades essenciais e as não-essenciais até um patamar de satisfação pessoal, e daí por diante passa a entesourar toda renda marginal excedente, transformando-a em patrimônio. Assim – como ocorre no Brasil – a insuficiente tributação das rendas produz ao longo do tempo uma acumulação e concentração de riquezas ainda mais intensa, fazendo com que a desigualdade de patrimôniosupere mesmo a desigualdade de rendas.

Percebe-se que os impostos com maior potencial de promover justiça são subtributados no Brasil, a exemplo do IRPF, que tem uma faixa de isenção muito baixa (hoje em R$ 2.824/mês), poucas faixas de incidência e progressividade tímida, a alíquota máxima alcança rendas ainda muito baixas (R$ 4.665/mês) e algumas rendas permanecem isentas há três décadas (lucros, dividendos).

Os tributos sobre o patrimôniotêm incidência baixa (ITR, ITCMD) ou regressiva (IOF, IPVA). E a tributação sobre o consumo, altíssima no país, é muito regressiva, pois os menos aquinhoados gastam toda a renda em consumo, pagam o mesmo imposto que os mais ricos pelos mesmos produtos e esses impostos representam uma proporção bem maior de suas rendas.

Estamos na contramão do mundo desenvolvido, quando se fala da distribuição do fardo atribuído a cada brasileiro para financiar o Estado.

Uma tentativa de retomar a progressividade tributária

O presidente Lula firmou o compromisso de isentar do IRPF quem receber até R$ 5.000 por mês. A proposta é muito bem-vinda. É curioso que hoje as rendas acima de R$ 4.665 mensais já entrem na faixa de maior tributação (27,5%): afinal, essa faixa de renda deve merecer isenção ou a incidência máxima?

Na outra ponta, há anos se debate a injustiça de os lucros e dividendos recebidos pelos sócios de empresas serem isentos. Essas rendas correspondem à maior parcela dos rendimentos dos mais ricos, o que faz com que esses paguem um percentual final de IRPF menor que o dos trabalhadores: de acordo com o governo federal, atualmente a alíquota efetiva de IR para o 1% mais rico no Brasil é de 4,2% e para o 0,01% mais rico, de 1,75%.

Pois bem, em novembro último o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou uma proposta de isentar as rendas mensais de até R$ 5 mil em contrapartida à imposição de uma tributação adicional para os que recebem mais de R$ 50 mil mensais – incluindo salários, aluguéis, dividendos, rendas financeiras etc. – de modo a completar a incidência final (alíquota efetiva) para 10%, o que alcançaria apenas 100 mil pessoas.

A isenção teria impacto anual de R$ 35 bilhões, incluído aí o impacto positivo para a faixa entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil mensais, que pagaria imposto menor do que o atual.

Apesar de insuficiente na ponta de cima, como veremos, é de se frisar ainda que a proposta teria um impacto macroeconômico positivo, por liberar recursos para segmentos da população com alta propensão ao consumo, fazendo aquecer a economia e gerar emprego e renda e arrecadação adicional decorrente. Já a cobrança nas rendas mais altas recairia sobre um segmento com menor propensão ao consumo interno e, portanto, menor potencial para ajudar a dinamizar a economia do país. (DIEESE, 2024).

Em dezembro, o governo desistiu da proposta, adiando-a mais uma vez. Encontrou resistências no Congresso: não quiseram tributar os mais ricos, nem mesmo em 10%.

Quais são os problemas da proposta?

As empresas mais fortemente capitalizadas têm margem para optar entre duas formas de distribuição dos seus resultados, de modo a chegar ao mesmo valor líquidopago aos sócios e acionistas. No final do seu primeiro ano de governo (1995), FHC desonerouos lucros e dividendos distribuídos aos sócios e criou outro benefício fiscal que permite deduzir, da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), uma despesa financeira fictícia denominada “juros sobre o capital próprio” (JCP)[3].

Nessa modalidade, aplica-se um percentual de juros sobre o patrimônio líquido da empresa e o valor resultante constitui um limite (generoso) para distribuição dos resultados com tributação exclusiva doImposto de Renda na Fonte, à alíquota de 15%, enquanto a “despesa” é deduzida do resultado tributável na PJ. O saldo final é uma vantagem equivalente a uma alíquota de 19% sobre o lucro. Se for uma instituição financeira, a economia é de 30%.

A proposta do governo pretende garantir um piso de 10% de alíquota efetiva. Ora, rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, como aplicações financeiras e o mencionado JCP, estão sujeitos a alíquotas maiores, a partir de 15%. Então, calibrando a opção entre as vias de dividendos ou de JCP para chegar ao mesmo valor a distribuir, asgrandes empresas poderiameximir os sócios da complementação do imposto para chegar à alíquota efetiva de 10%.

Quem serão os mais atingidos pela medida? Os profissionais liberais pejotizados, que criaram uma pessoa jurídica e recebem seus rendimentos sob a forma de lucros. Não obstante as distorções consequentes do fenômeno da pejotização, a prioridade é chegar aos super-ricos, que não são estes.

A alíquota de 10% sobre a renda é também ínfima para os padrões internacionais. A própria legislação nacional reconhece como paraíso fiscal países que aplicam alíquota inferior a 17%[4]. Permaneceremos na condição de país com tributação favorecida da renda, segundo nossos próprios critérios.

Há ainda uma questão de caráter estratégico que deve nos preocupar. O arcabouço tributário previsto na Constituição de 1988 é satisfatório. Prevê o princípio da capacidade contributiva e a proibição de distinção da tributação entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente[5]. Especificamente em relação ao imposto de renda, prevê que será informado pelo critério da generalidade (abrangendo todos os contribuintes), universalidade (todos os rendimentos) e progressividade[6].

A reforma “silenciosa” de 1995 violou os princípios e os critérios citados. As alterações agora propostas, além de não reverterem tais violações, naturalizam o afastamento aos comandos constitucionais. Continuaremos a submeter à tabela progressiva do IRPF apenas os rendimentos do trabalho, a uma alíquota máxima de 27,5%, enquanto nos “conformamos” em garantir uma alíquota efetiva para as altas rendasde apenas 10%.

Só é possível compreender o excessivo conservadorismo na proposta a partir de uma avaliação, pela equipe econômica, da difícil correlação de forças políticas existentes. Entretanto, há um alto preço a pagar, no médio e longo prazo, pela naturalização da desmoralização de princípios tributários em desencontro com a justiça tributária.

A reforma necessária: a da tributação da renda

O caminho para aliviar a tributação sobre o consumo é aumentar a arrecadação total sobre a renda. E, dentro desta, é preciso melhorar a progressividade, criar mais faixas de incidência, aumentando a distância entre a faixa de isenção e as mais altase incluindo alíquotas acima dos 27,5% para valores altos[7];incluir verbas hoje indevidamente isentas; e isentar até os R$ 5 mil mensais, tornando coisa do passado a oneração excessiva sobre valores a partir de meros R$ 4.665.

E é preciso fazer isso este ano, de modo a ajustar a tributação sobrea renda e ao mesmo tempo gerar arrecadação extra que permita entrar na transição da reforma tributária do consumo, em 2026, com uma “alíquota-padrão” mais civilizada que os 27,97% recentemente anunciados. O problema será enfrentar as resistências de sempre por parte dos privilegiados e os representantes dos seus interesses no Congresso Nacional. Para isso, não foi inventado nada novo a não ser a intensa conscientização e mobilização popular.

Artigo publicado originalmente do jornal Le Monde Diplomatique (Fevereiro 2025)

REFERÊNCIAS

Dieese – Considerações sobre o pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo em novembro de 2024 –https://www.dieese.org.br/sinteseespecial/2024/sinteseEspecial18.pdf. Página visitada em 14 de janeiro de 2025.

IPEA, Nota Técnica nº 54, de junho de 2022, por Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior –https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11231/1/NT_54_Dinte_O_sistema_tributario.pdf.

Página visitada em 13 de janeiro de 2025.

[1] Art. 153–§3º–I e Art. 155–§2º–III da CF-88.

[2]Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico: reúne 38 países entre as maiores economias. Na América Latina o Chile, México, Costa Rica e a Colômbia são membros, enquanto Argentina e Brasil são candidatos. Nas comparações da N.T. nº 54/2022, o IPEA tomou os 14 países de economia avançada, chamando-os de “OCDE-14”,e comparou em separado os quatro latino-americanos da OCDE.

[3] Artigos 9º e 10 da Lei 9.249/95.

[4] Artigo 24 da Lei 9.430/96.

[5] Art. 150–II da CF-88.

[6] Art. 153–§2º–I da CF-88.

[7] A média da alíquota máxima na OCDE-14 é de 44,6% e a média dos quatro países latino-americanos da OCDE é de 34,1%, mas nos dois casos essa alíquota máxima ocorre em valores múltiplas vezes mais altos que os R$ 4.665 no Brasil (IPEA, 2024, pg.7)

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