Há pouco tempo, bastava olhar para o trânsito engarrafado das grandes cidades ao amanhecer para entender a lógica que guiava a economia do trabalho: escritórios físicos, horários rígidos, metrôs lotados e aquele café de máquina compartilhado. A pandemia, um evento inesperado e global, acelerou um processo que já vinha se desenhando aos poucos: a virtualização do trabalho. Com isso, surgiu um termo que promete redefinir a relação entre empresas e profissionais: officeless, ou seja, companhias que operam sem um escritório fixo.
A ideia é simples: empresas sem um espaço físico central, onde o trabalho é totalmente remoto. Nada de escritórios imponentes no centro financeiro, mesas fixas ou salas de reunião. Tudo acontece virtualmente.
O conceito se consolidou nos últimos anos com o avanço das ferramentas digitais. Empresas como Zapier, GitLab e Automattic (dona do WordPress) foram pioneiras, mostrando que era possível gerenciar equipes distribuídas globalmente sem precisar de um espaço físico centralizado. Algumas delas nunca tiveram escritórios; outras, como a Airbnb e a Shopify, migraram de forma definitiva para esse modelo durante a pandemia.
O fenômeno officeless é fruto da transformação digital e da revolução tecnológica que vêm reconfigurando o trabalho desde o início dos anos 2000. O acesso à internet de alta velocidade, softwares de colaboração e a mudança de mentalidade das novas gerações tornaram possível esse modelo que, há poucos anos, parecia impensável.
O impacto do fim do home office no officeless
No entanto, o grande experimento global do trabalho remoto começou a sofrer reveses. Grandes corporações como Google, Amazon e JP Morgan anunciaram o retorno parcial ou total ao escritório, alegando que a inovação e a cultura corporativa dependem da interação presencial. Até empresas que antes defendiam o trabalho remoto irrestrito começaram a recuar. O próprio Elon Musk chamou o home office de "uma aberração" e ordenou o retorno de todos à Tesla e ao Twitter.
Essa reversão gera um paradoxo interessante: enquanto alguns trabalhadores celebram a volta do convívio social, outros se sentem frustrados. Para aqueles que se adaptaram ao modelo officeless, o retorno ao escritório representa um retrocesso, gasto de tempo e de energia desnecessários. Muitos questionam: será que a produtividade e a criatividade dependem realmente de um espaço físico?
Empresas que adotaram o officeless
Algumas empresas continuam firmes no modelo officeless. O GitLab, por exemplo, tem mais de 2.000 funcionários em 65 países e nunca teve um escritório físico. A Zapier opera 100% de forma remota desde sua fundação, em 2011, e não pretende mudar. A Doist, criadora do aplicativo Todoist, é uma empresa totalmente distribuída. Já a Buffer foi pioneira no modelo remoto, permitindo que seus funcionários trabalhem de qualquer lugar do mundo.
O que essas empresas têm em comum? Uma forte cultura de autonomia, processos estruturados e a ideia consolidada de que o trabalho não precisa estar vinculado a um espaço físico para ser eficiente.
Os benefícios do officeless são evidentes:
Mas há desafios consideráveis:
Afinal, o que o futuro nos reserva?
O officeless não é para todos. Algumas indústrias dependem da presença física, enquanto outras podem funcionar perfeitamente de maneira distribuída. Mas há um fator essencial nessa equação: os trabalhadores querem flexibilidade.
A volta aos escritórios, forçada por algumas empresas, já começa a gerar resistência. Pesquisas indicam que muitos profissionais estão dispostos a trocar de emprego para manter o trabalho remoto. Isso significa que, mesmo com a pressão pelo retorno ao presencial, o officeless ainda tem espaço para crescer – pelo menos onde a produtividade e a cultura empresarial conseguirem sobreviver à distância.
O que estamos testemunhando não é apenas uma mudança de modelo de trabalho, mas um choque de gerações, de mentalidades e de interesses. Algumas empresas querem controle; os trabalhadores, autonomia. Quem vencerá essa batalha? Ou será - já é? - possível um equilíbrio entre as partes? O tempo dirá.
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Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, gestor de carreiras, PhD, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. TEDx Speaker, foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.