Célebre nos contratos administrativos, a expressão “equilíbrio econômico-financeiro” demanda uma análise apurada, muitas vezes não intuitiva, a fim de se afastar de compreensões que indevidamente a tornem simplista e desconectada das realidades contratuais.
No caso brasileiro, ela foi originalmente construída – inclusive em termos constitucionais – para contratos administrativos de desembolso, nos quais há uma relação predefinida de encargos e receitas. Sabedores de quanto a obra ou o serviço custará, o edital e a proposta definem a correspondente equação e, assim, mantêm o contrato imune às prerrogativas da administração e às vicissitudes advindas do imprevisível. Sua lógica estrutural é a econômica.
Ocorre que as concessões e as parcerias público-privadas não abrigam essa racionalidade fechada. Elas são investimentos privados de longo prazo, nos quais se dá a aplicação de recursos financeiros com a expectativa de retornos em períodos superiores a cinco anos. Quem faz o aporte de ativos monetários disponíveis, com capital próprio ou de terceiro, é o empreendedor privado. Sua lógica estrutural é a financeira.
Se um tipo contratual é mais econômico e, o outro, mais financeiro, talvez a parcela de maior significado no termo “econômico-financeiro” esteja em seu discreto hífen de correlação: ele é utilizado para unir dois adjetivos que qualificam um mesmo substantivo (o “equilíbrio”), indicando que o “econômico” e “financeiro” devem ser interpretados conjuntamente.
Porém – e preste-se muita atenção nisso –, a leitura integrada dos elementos unidos pelo sinal gráfico pode variar conforme o contexto contratual e a natureza da relação jurídica envolvida. Apesar de o hífen unir os conceitos e sugerir que atuem conjuntamente, a ênfase e o peso de cada um deles podem se modificar dependendo do tipo de contrato.
Exatamente essa diferença estrutural é o tema deste breve artigo.
Nos contratos regidos pela Lei 14.133/2021, em especial nas empreitadas de obra pública, o aspecto econômico tende a ser mais relevante, pois o equilíbrio contratual está fortemente ligado à manutenção dos custos de execução da obra, considerando insumos, mão de obra e prazos ajustados.
Podemos, inclusive, trazer à mesa o clássico conceito de Lionel Robbins: a economia é ciência que estuda a administração de recursos escassos diante de finalidades distintas e concorrentes. Trata-se da essência da atividade econômica e de seu equilíbrio: a necessidade de escolha e alocação eficiente de recursos limitados.
Pense-se num contrato administrativo, que direciona um conjunto de meios disponíveis – capital, trabalho e tecnologia – à satisfação de determinada necessidade pública. Nesses contratos de desembolso direto de verbas públicas, a administração de recursos escassos é essencialmente econômica. Maiores são as preocupações com reajustes de preços, reequilíbrios por fatos imprevisíveis e manutenção da margem de lucro. As cláusulas econômicas devem se manter imunes em vista da preservação do contratado.
O equilíbrio contratual está estreitamente vinculado à adequação entre custos: os previstos e aqueles reais, experimentados quando da execução do contrato. Daí que o art. 37, inc. XXI, da Constituição se dirija precipuamente a essa ordem de contratações, ao preceituar que, nas “obras, serviços, compras e alienações” deverão ser “mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".
Ao licitar, aceitar a proposta mais vantajosa e firmar o contrato, a Administração Pública assume a responsabilidade de alocar recursos limitados de maneira eficiente para que a obra seja concluída dentro do orçamento e do cronograma estabelecidos pelo edital.
O equilíbrio econômico manifesta-se, portanto, na compatibilidade entre o custo, os insumos, a mão de obra e os riscos inerentes à execução. A lei garante que o contratado receba uma remuneração justa e compatível com os encargos assumidos, nos termos das condições efetivas de sua proposta.
Nessa ordem de contratações o hífen de correlação autoriza que o equilíbrio seja antes econômico do que financeiro, sem que isso descaracterize sua unidade conceitual. Ao integrar os adjetivos, ele não impõe equivalência absoluta entre eles. Ao contrário, admite que a ênfase recaia mais sobre um ou outro, dependendo do contexto contratual. Essa é a sua função vernacular.
Em suma, nos contratos de desembolso direto, como a empreitada de obra pública, o equilíbrio tende a ser preponderantemente econômico. A preocupação fulcral é a de garantir que os custos da execução permaneçam alinhados com os preços contratados, assegurando que os insumos, a mão de obra e os riscos não desconfigurem a equação original do contrato.
O aspecto financeiro existe, mas sua relevância é secundária, pois a lógica do contrato não depende de fluxos de caixa contínuos ou de projeções de longo prazo, como ocorre nas concessões e parcerias público-privadas.
Quem diz investimentos de longo prazo, está trazendo ao debate preocupações financeiras. Finanças, como campo do conhecimento, lidam com a administração dos recursos ao longo do tempo, considerando fluxos de caixa, risco, retorno e liquidez. Trata-se das variáveis fundamentais para a alocação e a gestão do capital.
Se a economia começou a ser compreendida como objeto de estudos ao final do século 18, a delimitação do que é financeiro consolidou-se ao início do século 20, com a significativa contribuição de estudiosos como Irving Fisher, que distinguiu a relação entre dinheiro e valor no tempo, e John Maynard Keynes, que enfatizou a influência das expectativas e da incerteza na alocação de recursos. Isso permitiu que se estruturasse a ideia de que os preços dos ativos refletem todas as informações disponíveis, bem como a teoria do custo do capital e a estruturação financeira de empreendimentos empresariais.
Hoje, é certo que, quando se fala em aportes de capital privado para investimentos de longo prazo, a preocupação recai sobre a sustentabilidade dos fluxos financeiros e a capacidade de o investimento gerar retorno suficiente para justificar a imobilização do capital. Isso distingue o aspecto financeiro do meramente econômico: enquanto este se atém à produção e distribuição de bens e serviços, aquele lida com a viabilidade da alocação dos recursos ao longo do tempo, a precificação do risco e a estrutura de capital.
O leitor já deve ter constatado que essa distinção é crucial no contexto dos contratos administrativos. Vimos que, nos de empreitada, a preocupação é mais econômica: a questão central é garantir que o custo da obra permaneça alinhado à equação original, a fim de se assegurar o retorno expectado. Já nos contratos de concessão e parcerias público-privadas (PPPs), o caráter financeiro predomina, pois o equilíbrio depende de projeções de receitas futuras, taxas de retorno e estruturação de financiamento.
Não é devido a uma acaso, portanto, que o art. 175 da Constituição exige uma lei especial a distinguir os contratos concessionários e o art. 10 da Lei 8.987/1995 – a Lei Geral de Concessões – preceitua que: “Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro". Não se fala de encargos nem de receitas, mas sim das condições estruturais objetivas que permitem a aferição, caso a caso, do equilíbrio assegurador do cumprimento do contrato.
Por isso que, nesses contratos com financiamento privado e remuneração fragmentada ao longo do tempo, o equilíbrio assume natureza predominantemente financeira: receitas futuras, amortização de investimentos, tarifas projetadas, captação de crédito e compartilhamento de riscos entre o Estado e o parceiro privado.
A atratividade do investimento decorre de uma equação financeira bem estruturada, na qual a tarifa, os eventuais aportes estatais, os financiamentos obtidos e as externalidades econômicas garantam não apenas a prestação adequada do serviço, mas também a rentabilidade mínima necessária para justificar a imobilização de capital privado.
Também aqui o hífen de correlação preserva a unidade conceitual ao admitir que, em contratos concessionários, o equilíbrio seja antes financeiro do que econômico: ele depende da sustentabilidade do contrato ao longo do tempo. Ainda que a expressão equilíbrio econômico-financeiro mantenha sua coerência terminológica, sua aplicação prática nos contratos concessionários alberga um viés predominantemente financeiro, no qual a lógica da alocação de riscos e da rentabilidade de longo prazo assume papel central.
Este artigo poderia ter como título algo que valorizasse esse sutil elemento gráfico, o hífen, que aqui funciona como um critério linguístico que preserva a unidade do conceito de equilíbrio econômico-financeiro, ao mesmo tempo em que permite a adaptação de sua ênfase conforme o contexto contratual. Sua presença indica que o equilíbrio envolve tanto aspectos econômicos quanto financeiros, sem uma equivalência rígida entre eles, admitindo que, em determinados contratos, um deles se sobressaia.
Em contratos administrativos de desembolso direto de verbas públicas, como a empreitada de obra pública, o equilíbrio tende a ser predominantemente econômico. Já nos contratos concessionários, onde o investimento privado e a arrecadação futura são centrais, a dimensão financeira assume protagonismo.
Todavia, se o hífen admite integração e balanceamento entre o econômico e o financeiro, ele desautoriza confusões: quem interpretar um equilíbrio em contrato de empreitada de obra como se financeiro fosse, estará cometendo um erro conceitual-estrutural, assim como ocorrerá com aquele que pretender estudar o equilíbrio de um contrato concessionário como se fosse um problema econômico.
Na prática, esse discreto sinal gráfico acaba funcionando como um marco conceitual para diferenciar modelos de contratação e destacar os fundamentos sobre os quais repousa a estabilidade de cada tipo de contrato administrativo.