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Sistema tributário funciona e não requer reparos"

Com tanta disputa por tão pouca sardinha, uma mudança estrutural é impossível

O sistema tributário brasileiro funciona bem e não merece reparos. É quem o maneja que torna o fisco uma máquina de aumentar impostos e desequilibra a relação entre administração pública e contribuintes. Em parte, os desajustes também são culpa de quem paga. Falta um idioma único aos contribuintes, que reclamam da carga somente quando ela atinge seu próprio caixa. Essa é a opinião de Paulo de Barros Carvalho, um dos maiores nomes do Direito Tributário no país. Unanimidade entre advogados e julgadores, Barros Carvalho já foi consultado inúmeras vezes sobre o projeto de reforma tributária que corre no Congresso Nacional. Seus pareceres, no entanto, não são animadores para quem espera grandes mudanças. “Não há perigo de a reforma sair”, adianta.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Barros Carvalho, professor das Faculdades de Direito da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica paulista, garante que a reforma está hoje mais longe de sair do que quando começou a ser discutida. Criticada desde o nascimento, a proposta que prevê a criação de um único imposto federal, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), já tem mais de mil emendas substitutivas, só na Câmara dos Deputados. E isso porque as mudanças ficaram restritas aos tributos federais e estaduais. Mais de 5,5 mil prefeituras não entraram na discussão, o que só deve acontecer quando — e se — a primeira fase for superada.

Com tanta disputa por tão pouca sardinha, uma mudança estrutural é impossível, na opinião do professor, que também dá aulas no Instituto Brasileiro de Direito Tributário e no grupo de estudos de Teoria Geral do Direito Tributário da editora Noeses — também dirigida por ele. De uma certa forma, isso não é ruim. “Quando o sistema é acionado, reage bem e o resultado sai como o esperado. Isso não é fácil em outros países”, diz. O custo para a sociedade, porém, é de mais de um terço de tudo o que se produz. A arrecadação já representa 36% do PIB, resultado, como explica o tributarista, da informalidade e da falta de ampliação da base arrecadatória. “Não pode ser muito menos. Enquanto não se fizer uma expansão da oficialidade, nós vamos ter de pagar por isso.”

Falta de entendimento na cobrança dos tributos significa discussão nos tribunais. A máxima não falha. E é aí que a Justiça também ganha sua parcela de culpa na dificuldade em se recolher impostos no país. A última reviravolta da Justiça, que deixou as sociedades de profissionais de cabelo em pé, foi o reconhecimento da constitucionalidade da incidência da Cofins sobre o faturamento dos prestadores de serviços regulamentados, como advogados, médicos e contadores. Barros Carvalho estava lá quando o Supremo Tribunal Federal, a despeito de uma súmula do Superior Tribunal de Justiça que livrou os contribuintes por anos, declarou que o tributo era devido. Ele fez a sustentação oral em favor da empresa que levou o leading case ao Plenário, mas viu não só o fisco vencer, como também a corte se negar a modular os efeitos da decisão, criando uma dívida milionária para quem havia deixado de pagar o tributo com base na jurisprudência do STJ.

“A mudança é plenamente justificável, desde que o tribunal assuma as responsabilidades pelas decisões anteriores. Se o tribunal vem decidindo de uma certa forma, mas quer mudar, que mude. Mas os destinatários não podem ficar ao sabor dos efeitos negativos dessa mudança”, diz. A explicação é simples. Uma lei não pode retroagir para prejudicar ninguém. Uma súmula, que também faz parte do Direito positivo, norteou o comportamento das sociedades por anos e teria de ser considerada na avaliação do Supremo, que simplesmente ignorou sua vigência.

Sobrinho do senador pernambucano Antonio de Barros Carvalho, do PTB, ex-ministro da Agricultura no governo Kubitschek, o professor compara o dilema vivido pela administração pública na arrecadação ao de um obeso compulsivo. “É como alguém que quer emagrecer, mas não quer deixar de comer.” Segundo ele, o equilíbrio passa por uma redução da carga tributária, que permita um aumento da base arrecadatória. Quanto mais contribuintes pagarem a conta, menos cada um terá de pagar. Óbvio, mas nem tanto. A mudança implica, a curto prazo, redução de arrecadação e isso causa vertigem no poder público.

Disciplinado, Barros Carvalho dá o exemplo. Em vez de cirurgias e dietas confusas, ele entrou recentemente em um regime rigoroso para perder peso. “É só fechar a boca”, diz. Mesmo aparentando não ter nada além da comum barriguinha que costuma agraciar os homens com a idade, o professor não conta o peso, mas garante que, segundo a balança, o esforço de apenas nove dias já está valendo a pena.

Seu regime inclui comer a cada três horas, de preferência uma fruta. Entre as restrições, refrigerantes, inclusive os lights, e doces. Permitidos mesmo só peito de peru, frutas e chás. Pela manhã, o café é uma batata cozida, temperada com azeite, shoyo e sal. Tudo light. Um copo de chá gelado e um suco de melancia resolvem o assunto. Atividades físicas como esteira, alongamentos e musculação, com direito a personal trainer, são rotina três vezes por semana. Nos sábados e domingos, mais duas horas diárias de equitação.

A inspiração vem de um amigo também professor, com quem Paulo de Barros repete a mesma brincadeira há 20 anos, sempre em público. “Eu dizia que, no dia em que ele perdesse aquela senhora barriga, passaria a ver coisas que ele não via há muito tempo. O dedão do pé, é claro”, diverte-se. A receita é perfeita para a administração pública, que também não vê para onde vai boa parte do dinheiro dos contribuintes.

Leia a entrevista

ConJur — O doutor é bastante requisitado nos meios acadêmico e profissional. Em que projetos está envolvido hoje?
Paulo de Barros Carvalho — 
Em vários. Volta e meia eu dou pareceres sobre temas tributários. Esses pareces são feitos assim: eu junto duas ou três pessoas especialistas do escritório e aí nós discutimos. Funciona como uma linha de pesquisa.

ConJur — Há também o grupo de estudo sobre a Teoria Geral do Direito, o TGD, da editora Noeses. Como funciona?
Paulo de Barros Carvalho — São discussões de temas gerais, em que o campo de teste é o tributário. Fazer teoria é ótimo. É possível construir castelos, mas não quero nunca perder a sintonia com a realidade, com a prática. Nós estudamos a teoria e daí vamos aos casos práticos, como a aplicação em situações de imunidade, isenção, etc.. Hoje mesmo estávamos discutindo problemas da equiparação dos cemitérios a templos de qualquer culto.

ConJur — Quanto aos pareceres, que assunto tem lhe tomado a atenção? 
Paulo de Barros Carvalho — 
Sobre reforma tributária, por exemplo, muita coisa foi pedida.

ConJur — Houve promessas de que o projeto de lei seria aprovado depressa.
Paulo de Barros Carvalho — 
Não. Está mais longe disso do que quando entrou. Há mais de mil emendas substitutivas, que precisam ser reorganizadas. É um novo projeto. Não tem perigo de sair a reforma tributária, uma reforma estrutural, que modifique os fundamentos do sistema tributário brasileiro.

ConJur — Por quê?
Paulo de Barros Carvalho —
 Porque a estrutura jurídica no Brasil é complexa. Qualquer coisa que seja alterada repercute na autonomia dos estados, dos municípios, nos princípios e garantias constitucionais, de modo que isso torna praticamente inviável qualquer tipo de reforma estrutural.

ConJur — Falar em reforma tributária é vender ilusão?
Paulo de Barros Carvalho — 
É uma ilusão completa. Desde 1988 até hoje, e aí já são 21 anos, nós estamos no marco zero nos termos de reforma estrutural.

ConJur — O problema está mesmo na lei?
Paulo de Barros Carvalho — 
Na verdade, sou contra uma reforma estrutural. O sistema tributário brasileiro funciona bem, é bem organizado. Quando o sistema é acionado, reage bem e o resultado sai como o esperado. Isso não é fácil em outros países. O sistema brasileiro arrecada. Antes da crise mundial, era crescimento real na arrecadação em todos os períodos. Mexer nisso para quê? É preciso mudar apenas para salvaguardar direitos, dos contribuintes e da Fazenda. Quando há alterações, toda a experiência jurídica estruturada em função da área afetada vai para a lata do lixo. Quando saiu o ICM, por exemplo, durante 12 anos se discutiu, em termos de doutrina e jurisprudência, em que momento acontecia o fato gerador do imposto. Foram páginas e páginas de doutrina. Digamos que qualquer modificação que se faça nesse imposto mandará tudo para o espaço.

ConJur — É melhor ficar do jeito que está?
Paulo de Barros Carvalho — 
Uma coisa é dizer que o sistema está bem organizado, que funciona bem, e outra é dizer que funciona para o bem. Hoje, ele tem funcionado para aumentar a carga tributária. Quer dizer, ele não tem funcionado para o bem.

ConJur — Funciona melhor para o estado do que para o contribuinte?
Paulo de Barros Carvalho — 
Tem funcionado, digamos, para o mal, porque ele tem sobrecarregado o contribuinte. Isso deveria ser repensado. Não dá para diminuir muito, mas dá para estabelecer um sistema de fiscalização e de arrecadação que favoreça o todo. O que tem acontecido é que o Estado tem procurado sua comodidade administrativa. O ideal agora é a substituição tributária. Fazendo substituição, em vez de investigar um universo grande, só é preciso fiscalizar meia-dúzia de empresas. É uma forma de planejamento que a administração faz, mas o fisco não aceita que o contribuinte também faça o seu.

ConJur — Está faltando equilíbrio?
Paulo de Barros Carvalho — 
Isso, em termos de justiça tributária, de distribuição equitativa da carga tributária. Nesse plano, o sistema não vai bem, mas não por culpa dele, e sim dos nossos aplicadores, da comunidade jurídica em geral.

ConJur — Isso inclui os contribuintes?
Paulo de Barros Carvalho — 
Sim, porque a comunidade não pressiona, a não ser quando os interesses de certos setores são afetados. O resultado disso é que vários princípios constitucionais existem, mas não são implementados.

ConJur — Como o que?
Paulo de Barros Carvalho —
 A progressividade do Imposto sobre a Renda, por exemplo, já existe desde 1988. A Constituição manda que seja progressivo. Mexeram um pouquinho recentemente, mas ainda não é a progressividade que se queria. A culpa não é do sistema, que tem essas previsões, mas da nossa comunidade jurídica tributária, que abrange funcionários administrativos, juristas que trabalham na área tributária e os contribuintes.

ConJur — Mesmo tocando apenas em pontos periféricos, o projeto de reforma tributária está adequado?
Paulo de Barros Carvalho —
 Como um todo, acho a proposta inviável. O que deve haver é uma atualização, mas apenas tópica. Em função da estrutura complexa da nossa organização política, qualquer pequena mudança mexe com princípios constitucionais.

ConJur — Como o ICMS, por exemplo? 
Paulo de Barros Carvalho — 
Isso. A centralização do ICMS já mexe com a autonomia dos estados. Confesso que não sei como isso poderia ser feito com as condições atuais.

ConJur — Mas se as mudanças proporcionarem justiça tributária, não seria melhor?
Paulo de Barros Carvalho — 
Sim, mas justiça tributária em que termos, se o imposto está satisfazendo aos anseios dos estados e da própria união? O governo federal andou de olho no ICMS porque a arrecadação é muito alta. Mas hoje, com as contribuições que arrecada, ele tem um faturamento que dispensa o ICMS.

ConJur — O fim da guerra fiscal pelo ICMS não acabaria com uma disputa que atrapalha contribuintes e os próprios estados? 
Paulo de Barros Carvalho — 
Está certo, mas isso pode ser retificado com os próprios instrumentos do sistema. Alguns pensam que, se nós pusermos um dispositivo em uma reforma, acaba a guerra fiscal. Isso não existe. Seria como inserir um dispositivo contra a sonegação. Guerra fiscal é inevitável em um país onde há união, estados e municípios autônomos, que só devem obediência ao texto constitucional. Há choque de interesses porque há estados desenvolvidos e menos desenvolvidos, produtores e consumidores. As diferenças regionais são grandes. Às vezes, a diferença entre municípios limítrofes é extraordinária. Há muita disputa, mas essa disputa tem seu lado sadio. Ela estimula a competitividade entre estados e municípios. O lado negativo são os excessos, as retaliações. Mas isso é inevitável. É como tentar evitar atritos entre os motoristas. Atritos podem ser organizados, administrados. Evitar não dá. O que precisa haver é um empenho maior da união, que de tão poderosa, pode assistir nas disputas, embora não seja sua competência.

ConJur — Uma solução política?
Paulo de Barros Carvalho —
 Exatamente. Nós tivemos recentemente um problema relacionado a guerra fiscal, entre uma empresa de São Paulo e outra de Minas Gerais. Os dois estados retaliaram um ao outro. Até que houve um acordo entre os secretários de Fazenda para que o caso fosse solucionado. É apenas um caso, sim, mas que pode causar uma generalização.

ConJur — Um estudo do Banco Mundial constatou que o Brasil tem o maior índice de tempo gasto para se calcular e pagar o imposto. Isso também não faz parte da comodidade que o fisco quer ter?
Paulo de Barros Carvalho —
 A sociedade pós-moderna, em que vivemos, se caracteriza pela hipercomplexidade das relações. Que as relações vão ficar cada vez mais complicadas, não há a menor dúvida. Vão surgir cada vez mais obrigações acessórias para os contribuintes. O que nós precisamos é racionalizar o crescimento.

ConJur — O Sped [Sistema Público de Escrituração Digital] e a Nota Fiscal Eletrônica são uma forma de racionalizar, mesmo sendo hoje apenas mais um trabalho, já que as declarações antigas não foram abolidas?
Paulo de Barros Carvalho —
 Teoricamente, sim. Isso oficializa as relações e essa oficialização impede que certos abusos sejam cometidos. Todas essas medidas são bem pensadas. Não sei se os efeitos serão realmente os esperados, mas eu vejo na Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo, por exemplo, a seriedade com que eles encaram esses projetos.

ConJur — Além da postura defensiva do fisco, qual a responsabilidade do Judiciário na dificuldade de atuação dos contribuintes, pela falta de segurança jurídica? No caso da isenção da Cofins conseguida pelas sociedades de profissionais nos tribunais, havia até mesmo uma súmula do Superior Tribunal de Justiça garantindo o não pagamento, o que não impediu que uma decisão contrária do Supremo Tribunal Federal comprometesse a expectativa de segurança jurídica que se tinha até então. 
Paulo de Barros Carvalho —
 Isso é um problema. Essa virada foi inesperada, e eu digo porque fui advogado do caso líder, fiz sustentação oral no Supremo. Houve uma mudança de opinião. O tribunal decidia em uma direção e passou a decidir em outra. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, mas não adiantou nada.

ConJur — Essa insegurança também passa pelas diferentes opiniões de quem está julgando? Muda o ministro... 
Paulo de Barros Carvalho —
 ...muda a posição. Isso ocorreu várias vezes no Brasil. O empréstimo compulsório, por exemplo, era considerado tributo. Passou o tempo, mudou a composição do STJ, passou a ser considerado outra figura que não tributo. Hoje, com a composição atual, voltou a ser tributo. Mas até quando? Você sabe? A mesma coisa aconteceu em relação ao aproveitamento de créditos do IPI com alíquota zero, julgado pelo Supremo. Essa, no entanto, foi uma reviravolta mais branda que a da Cofins.

ConJur — Como reduzir estragos desse tipo?
Paulo de Barros Carvalho — 
O princípio da segurança jurídica não é tangível. Alguém argumenta e mostra, mas o outro argumenta em outro sentido, retórica contra retórica. Mudar de opinião, nós mudamos a cada instante. A gente conversa com um amigo e fica com outra ideia. Lê um livro e forma outra opinião. A mudança é plenamente justificável, desde que o tribunal assuma as responsabilidades pelas decisões anteriores.

ConJur — Com modulação de efeitos?
Paulo de Barros Carvalho —
 Exatamente. Se o tribunal vem decidindo de uma certa forma, mas quer mudar, muito bem, que mude. Mas os destinatários não podem ficar ao sabor dos efeitos negativos dessa mudança e é isso que tem ocorrido no Brasil.

ConJur — No caso da Cofins, a explicação foi de que não havia motivo para a modulação porque a lei já previa a tributação e as decisões judiciais é que favoreceram o contribuinte. Como na decisão da corte não foi declarada qualquer inconstitucionalidade, a regra vigente foi mantida. 
Paulo de Barros Carvalho —
 Isso faz sentido. Aliás, o ministro Eros Garu sempre fundamenta bem suas decisões. Mas essa é a argumentação dele. Eu sei que os contribuintes foram pegos de surpresa. Houve uma súmula no Superior Tribunal de Justiça, editada depois não apenas de algumas decisões, mas de muitas. Os contribuintes passaram a agir de acordo com essa súmula e isso é que causou a sensação de insegurança. As decisões do Poder Judiciário fazem parte do Direito positivo. Pelo princípio da anterioridade, uma lei não pode alcançar fatos anteriores aos da sua vigência. Quando isso acontece, todos gritam e normalmente isso é respeitado. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que cristalizou, em uma súmula, o entendimento do tribunal, deve valer daquele momento em diante.

ConJur — A jurisprudência foi desvalorizada, então?
Paulo de Barros Carvalho —
 O direito positivo é criado pelo Poder Legislativo, com normas gerais e abstratas, pelo Poder Executivo, que tem normas gerais e abstratas e normas individuais e concretas, e o Poder Judiciário, em que preponderam as normas individuais e concretas. São normas que o Judiciário injeta no sistema. Particulares também contribuem celebrando contratos e manifestações unilaterais de vontade. O Direito positivo é tudo isso. Embora a tendência seja considerar que o Direito positivo é sozinho, não é assim que funciona. Se quando há uma nova lei respeita-se o que ocorreu antes da sua vigência, uma súmula do Superior Tribunal de Justiça deveria ter o mesmo tratamento. Isso quem disse foi também o professor Cândido Dinamarco, em um parecer muito bem dado.

ConJur — No julgamento do Supremo sobre a validade do crédito-prêmio de IPI, por exemplo, embora alguns ministros entendessem que o benefício aos exportadores tenha expirado em 1983, a corte manteve a posição do STJ adotada desde 2005, de que a vantagem acabou em 1990. Houve dois pesos em relação à Cofins?
Paulo de Barros Carvalho — 
De certo modo, sim.

ConJur — Ainda existe alguma esperança de reversão da decisão?
Paulo de Barros Carvalho —
 No Judiciário, não. O que pode haver é uma lei ou uma medida provisória que proteja o contribuinte.

ConJur — Há perigo de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entrar com ações rescisórias contra compensações autorizadas pela Justiça, como ameaçou em agosto? 
Paulo de Barros Carvalho —
 Seria muito antipático para o governo, que já conseguiu uma reviravolta bonita.

ConJur — Além das cobranças na Justiça, o fisco tem na emissão de certidões negativas de débito uma forma de obrigar o contribuinte a manter os pagamentos em dia. Essa é uma relação justa?
Paulo de Barros Carvalho —
 Nisso eu tenho uma implicância solene. O estado precisa ter a organização, a segurança e a certeza para fazer uma fiscalização adequada, mas não pode abusar disso. Quando a dificuldade fica institucionalizada, acaba provocando injustiças terríveis. Existe um trabalho imenso em se conseguir uma certidão. É você quem tem de levar os documentos para provar que pagou. Será que a Fazenda não tem esse controle? É um desajuste muito grande, que traz uma injustiça fiscal acentuada.

ConJur — O governo federal já mostrou que abrir mão de arrecadação não dói. Pelo contrário, é estratégico. A isenção de IPI para alguns produtos, no fim do ano passado, inibiu a desaceleração da economia. O fato de municípios e estados terem reclamado da queda nos repasses aos Fundos de Participação, no entanto, reflete a intensidade da batalha por uma reforma tributária?
Paulo de Barros Carvalho —
 Que essas medidas vão desencadear sempre um descontentamento, vão. É o mesmo problema da guerra fiscal. Sempre há um grupo de insatisfeitos. A isenção de IPI foi muito bem dada, oportunamente manejada. Mas há municípios que se sentem prejudicados e que devem ser compensados. O Estado, quando quer, negocia, chama, faz reuniões, ouve. Mas quando não quer, não ouve ninguém. No tempo da revolução [militar], por exemplo, as medidas vinham de cima para baixo. Os generais convocavam técnicos do Ministério da Fazenda e diziam: “Eu quero o projeto assim. Estudem e façam”. Hoje, não é mais assim. Há uma mesa de negociações e junto a ela estão sentados a União, na cabeceira, na outra cabeceira, o contribuinte, pequenininho, os estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil municípios. Uma reforma democrática, de acordo com a Constituição, teria que ser feita assim. Agora, em uma negociação dessa natureza, brigas vão ocorrer, disputas entre estados, municípios, união. O contribuinte é o que menos fala e é para quem sobra sempre a parte mais negativa.

ConJur — Que mudanças estruturais o senhor sugere?
Paulo de Barros Carvalho —
 Algo que eu tenho apontado com certa frequência é que união, estados e municípios promovam um grande esforço de racionalização dos seus tributos, no âmbito da competência de cada um. Isso não mexe com concepção. Estou falando em racionalizar mesmo. Abrir mão daquilo que não é razoável, que não é útil. A curto prazo, esses projetos de racionalização causam uma diminuição do valor arrecadado. Mas a médio prazo, as coisas vão se equilibrando e, a longo prazo, a arrecadação até aumentaria. O problema é que ninguém aceita perder receita. É como alguém que quer emagrecer, mas não quer fazer regime, só continuar comendo.

ConJur — Estamos falando de ampliação da base de contribuintes?
Paulo de Barros Carvalho —
 Isso. Só que os governos não querem ter essa perda inicial.

ConJur — A CPMF, apesar de criticada por incidir sobre o que já tinha sido tributado, era uma contribuição que todos pagavam e que sobrecarregava menos. Qual a sua opinião? 
Paulo de Barros Carvalho — 
O tributo não era tão mal como se dizia. Todos pagavam. Isso expandia o universo de contribuintes oficiais.

ConJur — E oferecia maior controle para o fisco... 
Paulo de Barros Carvalho —
 Exatamente. Esse controle era decisivo e eu não acho ruim que o fisco controle suas contas. Acho ruim que ele exija aquilo que não é devido, que ele aperte o contribuinte contra leis, contra princípios, contra valores que a sociedade tem.

ConJur — A saída da Receita Federal, com a perda da CPMF, foi obrigar os bancos a quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, enviando informações periodicamente ao fisco. O contribuinte deve abrir mão do seu sigilo para o controle do Estado?
Paulo de Barros Carvalho — 
Uma parte do seu sigilo. Isso não molesta muita gente. Fizeram um cavalo de batalha em cima desse tributo e eu acho que ele não é tão mau assim. No momento em que o governo se sentir fortalecido, a contribuição volta. Essa é uma forma de racionalizar.

ConJur — Mas e a bitributação? 
Paulo de Barros Carvalho —
 O governo tem que estar sempre atento ao equilíbrio da carga tributária, da distribuição da carga. É claro que, com a volta da CPMF, o fisco tem que diminuir em outro setor. Mas nada impede que ele o faça.

ConJur — A carga tributária hoje gira em torno de 36% do PIB. Isso é razoável? 
Paulo de Barros Carvalho —
 Não, mas também não pode ser muito menos que isso. Eu digo com base em estudos econômicos, projeções econômicas. Em um país como o Brasil, enquanto não se fizer uma expansão da oficialidade, nós vamos ter de pagar por isso. O problema é que, quando o governo quer oficializar, o contribuinte chia. É nessa tensão que o problema se situa.

ConJur — Apesar disso, o fisco federal decidiu tributar mais. Dessa vez, foram os valores em poupança. A intenção foi equilibrar os investimentos, que fugiram de outras áreas para abraçar a poupança. Amanhã, no entanto, a realidade pode mudar. A tributação cessaria com a mesma facilidade?
Paulo de Barros Carvalho —
 Estou estudando esse assunto porque recebi um pedido de parecer. A tradição jurídica brasileira mostra que todo tributo que vem, fica. Ele pode até sair, mas só à força, como a CPMF. Nesse caso, poderiam ser tentadas outras medidas que desestimulassem ou que estimulassem esses setores, para que não houvesse um tributo especifico. É minha impressão inicial.

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