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Burocracia versus era eletrônica

Sistemas e ferramentas eletrônicas ainda esbarram em impedimentos para facilitar processos em Contabilidade

O registro de dados e informações está na essência da Contabilidade. Em função da quantidade de dados gerados pela diversidade de áreas de abrangência e o volume de dados gerados, a área recebeu o status de burocrática. “E não deixa de ser”, explica a professora do curso de Ciências Contábeis da Ufrgs Wendy Haddad Carraro. “A burocracia é uma necessidade devido às informações geradas pelas empresas. Para os leigos isso pode parecer excesso de detalhes, mas na verdade é base para melhorar os resultados das organizações”, afirma.

Mas a contabilidade mudou, e com ela, as maneiras de armazenar os dados. Novos meios invadiram os escritórios, e os contadores precisaram se adaptar a eles. São ferramentas como a nota fiscal eletrônica, Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) Contábil e Fiscal. O próprio contribuinte necessitou se reciclar, já que a Receita Federal, a partir deste ano, só vai aceitar a declaração do Imposto de Renda exclusivamente por meio eletrônico.

A adaptação aos novos sistemas e a cobrança de informações redundantes têm sido as principais dificuldades encontradas pelos contadores para que a tecnologia possa estar a favor da melhoria de seu trabalho e traga benefícios para os contribuintes. De acordo com o contador Ronaldo Silvestre, membro da Comissão de Estudos de Tecnologia de Informação do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS), a dispensa de cobrança de informações repetidas não acompanha a informatização dos processos.

Ele cita a obrigação de guardar cópias de notas fiscais eletrônicas e outros documentos que poderiam ser liberados uma vez que o fisco tem acesso a eles. “Falta unificação e simplificação das informações. Tiramos a burocracia do papel para transformá-la em eletrônica. Esperamos que aconteça um avanço neste sentido em 2011, a Comissão está trabalhando para isso juntamente com a Secretaria da Fazenda do Estado”, argumenta.

O que existe é uma convivência entre as novas e as antigas ferramentas, segundo Rose Marie da Cunha Paiva, analista do sistema Sped desenvolvido pela Sispro, empresa de prestação de serviço de tecnologia para as áreas de Administração e Finanças. “Os novos sistemas foram implantados há pouco tempo, ainda é preciso algum tempo para que elas se tornem as únicas exigências do fisco. Antes, porém, elas precisam ganhar maturidade”, diz.

Além disso, as novas ferramentas exigiram que os contadores aprendessem a utilizar tecnologias com as quais não estavam habituados. “A burocracia da profissão se tornou digital porque dá muito trabalho aderir. Primeiro é preciso conhecer muito bem tudo o que acontece no papel e depois transpor isso para os novos sistemas, o que exige um entendimento que vai além dos simples lançamentos contábeis”, explica Wendy.

Rose Marie vê a adaptação a esses novos sistemas como o principal desafio para os contadores hoje. Segundo ela, nos últimos quatro anos, os profissionais da área foram obrigados a buscar muitos conhecimentos, devido às novas regras e à mudança do enfoque da contabilidade, com normas internacionais e atenção à transparência. “Tivemos que sair da nossa zona de conforto, hoje contador é cobrado a dar informações em tempo real, não apenas interpretar as do passado. Além disso, precisamos estar sempre atentos a atualizações na legislação”, diz.

Nesse novo cenário, sai na frente o contador que conseguir se adaptar e buscar informações com mais rapidez. “O mundo eletrônico se abriu para os contadores, parece que isso facilitou nosso trabalho, mas na verdade é mais complicado em virtude do alto investimento em ferramentas e em formação. Hoje o contador precisa entender de tecnologia”, afirma Silvestre.

A implantação dos sistemas obrigatórios, como a nota fiscal eletrônica e o Sped, segue a velocidade das exigências do governo, mas os grandes escritórios de contabilidade já enxergaram a necessidade de rápida atualização. “Aqueles que atendem a várias empresas, principalmente as de grande porte, precisam correr mais rápido, mesmo muitas vezes possuindo sistemas próprios. Isso é complicado, pois o governo cobra detalhes de todas as informações exigidas, cuja coleta demora a se tornar cultura quando o contador não está dentro da empresa”, explica Wendy.

Uso de tecnologia é oportunidade para profissão

As dificuldades de adaptação aos novos processos, entretanto, precisam ser encaradas de forma positiva, de acordo com a professora do curso de Ciências Contábeis da Ufrgs Wendy Haddad Carraro. “Como contadora enxergo nas mudanças uma grande oportunidade para a profissão. É a nossa chance de interagir e conhecer melhor os outros setores da empresa, assumindo posição de verdadeiros gestores”, enfatiza.

As ferramentas exigem, de fato, uma visão mais sistêmica por parte da Contabilidade, pois as empresas precisam modernizar processos que não eram revistos há tempos. “Agora todos os meses é necessário enviar informações à Receita Federal que antes ficavam restritas ao setor de Contabilidade, por isso ele precisa estar mais integrado com os outros departamentos das empresas”, explica Rose Marie da Cunha Paiva, da Sispro.

Da mesma forma, a interpretação das informações provenientes dos novos sistemas que estão em implantação no setor é valiosa para todas as áreas, devendo ser foco do trabalho do contador a partir de agora. “Precisamos de visão sistêmica do contador na empresa, enxergando o que acontece e dando sugestões de como corrigir problemas. É o momento de mostrarmos porque somos importantes dentro das empresas e valorizarmos nossa profissão”, reforça Wendy. Neste sentido, aqueles que investirem em capacitação para a o melhor aproveitamento das informações serão os que terão também melhores resultados. “Hoje estamos em um momento em que aqueles que fazem o mínimo, apenas pela obrigação, não ganham nada, pois realmente se gasta muito nesta transição. Os que visualizam esta como uma oportunidade para melhorar gestão, porém, têm resultados muito positivos em capacitação de pessoal, integração de informações, melhoria nos processos e transparência das ações”, garante Rose Marie.

Na universidade, esta visão já é realidade entre os alunos. “Mesmo com todas as mudanças que aconteceram na Contabilidade no último ano, os estudantes se sentem atualizados por viverem essas transformações na sala de aula e em seus estágios. Como professora, procuro sempre reforçar esse interesse por tecnologia, que a geração deles já possui. Com os profissionais que estão há mais tempo no mercado de trabalho precisamos fazer uma conscientização mais intensa, pois o avanço das tecnologias facilitou muito o trabalho contábil”, diz Wendy, que possui pós-graduação na área de Sistemas de Informação.

Questão de transparência é fundamental

A adequação às tecnologias não vem apenas dos contadores e das empresas. Os órgãos do governo também têm investido em disponibilização de ferramentas voltadas para contribuintes e profissionais. Com portais para consultas e requisições e sistemas de integração de dados, essas instituições têm valorizado a facilitação de acesso e a transparência das ações, segundo Marisson Sant’Anna de Souza, chefe da divisão de Tecnologia da Informação da Superintendência Regional da Receita Federal. “Temos, por exemplo, o centro de atendimento ao contribuinte online, no qual é possível ter acesso a uma série de serviços sem precisar ir até uma de nossas unidades”, ressalta.

Quanto à integração com outros órgãos, como Secretaria da Fazenda e Junta Comercial, a vantagem é o cruzamento de dados. “O trabalho conjunto evita que o contribuinte mal-intencionado preste informações diferentes para cada uma das instituições. Por este motivo o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) é tão apoiado pelas empresas, pois é uma forma de combater a concorrência desleal e melhorar as ações de quem é bem-intencionado”, justifica Souza.

Fórum irá abordar relação entre tecnologia e liberdade

Liberdade na Era Digital é o tema do XXIV Fórum da Liberdade, que será realizado nos dias 11 e 12 de abril em Porto Alegre. Organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), o evento irá debater as formas como as ferramentas digitais e os avanços da internet têm influenciado as relações das pessoas com os governos e a sociedade. Segundo Felipe Quintana, presidente do IEE, as novas mídias e a pulverização da informação têm possibilitado modificações de comportamentos que são capazes de levar a novas formas de empreender e de fazer negócio.

Nesse sentido, a questão da transparência e do acesso às informações é determinante para que haja liberdade na economia e também na contabilidade. “Essa facilidade de consulta permite que pessoas e empresas tenham conhecimento maior sobre como os tributos são aplicados pelo governo e qual o montante arrecadado ao longo do ano, além de terem possibilidade de parâmetro comparativo entre países e serviços prestados em relação às taxas cobradas. Desta forma, o contribuinte se sente também no direito de fazer reivindicações”, afirma.

Quintana lembra que o cruzamento de dados entre diferentes instituições é também um fator importante. “Naturalmente passaremos a ter um grau maior de liberdade na internet. Quando tivermos uma rede mais livre, contribuintes vão poder de forma mais eficiente e livre conversar a respeito de temas como tributação para que tenhamos uma sociedade mais próspera”, diz. 

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