Dificilmente você irá encontrar a palavra desaposentação nos dicionários da língua portuguesa. Ela consiste em o aposentado abrir mão de seu benefício para continuar na ativa, no intuito de, num futuro próximo, solicitar nova aposentadoria com valor mais alto. Há 13 anos, essa prática passou a virar tema recorrente nos tribunais de Justiça espalhados pelo o País, principalmente depois da extinção do pecúlio, instrumento que garantia o retorno do dinheiro descontado do salário do trabalhador segurado após o encerramento do segundo e mais curto ciclo de serviço e contribuição.
É que desde de maio de 1999, o aposentado que continua ou volta a trabalhar é obrigado a contribuir novamente com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Quem o emprega também tem os mesmos encargos trabalhistas de qualquer outro funcionário comum. É lei.
O Decreto Federal 3.048/ 99 derrubou a isenção de contribuições previdenciárias de quem permanecia na ativa mesmo estando recebendo aposentadoria, que tinha sido prevista na Lei 8.213, de julho de 1991.
Avalanche
O resultado foi uma avalanche de processos de desaposentação, desde então. Uma estimativa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça em setembro do ano passado calculou cerca de 70 mil ingressos na Justiça somente desse assunto. De acordo com a entrevista concedida pela especialista em Direito Previdenciário, Silmara Londucci, ao quadro "Saiba Mais", do canal oficial do Supremo Tribunal Federal (STF), a única forma de conseguir a desaposentadoria é pela via jurídica. Não há legislação administrativa sobre o tema.
Ação prolongada
"Todos os contribuintes têm direito de melhorar seus proventos. Mas antes de ingressar na Justiça, é preciso fazer todos os cálculos. Esse tipo de ação delonga 10 a 12 anos. Às vezes não vale a pena", disse ela, na entrevista ao STF.
Segundo Silmara, "no momento em que o juiz concede a desaposentação - termo que causa uma certa insegurança - automaticamente é implementado o novo benefício e cancelado o anterior. É ato contínuo. Não há perda na ação judicial".
Para o primeiro secretário da União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unapeb), núcleo Ceará, Wilson Novais, é preciso avaliar antes de entrar na Justiça. "É uma faca de dois gumes. Há casos que vale a pena, mas já aconteceu da média ser inferior ao que o aposentado recebia antes", aponta.
Nesta última circunstância, há um outro tipo de ação que comumente é utilizada: a "repetição de indébito", que nada mais é que a solicitação do reembolso das contribuições pagas relativas ao período de cinco anos anteriores ao ingresso na Justiça além das que se vencerem no curso processual.
A intenção é receber de volta o que se pagou ao INSS pela segunda vez já que, cronologicamente, é improvável o segurado receber um novo benefício.
Raro êxito
No entanto, na opinião do juiz Federal Substituto da 6ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, Ricardo José Brito Bastos Aguiar de Arruda, são remotas as chances de êxito desse procedimento que pede a repetição das contribuições vertidas pelo segurado que retorna à atividade remunerada.
"A Seguridade Social é conformada segundo o princípio da solidariedade, de modo que a contribuição para o sistema não implica, necessariamente, uma retribuição".
Saúde do sistema
Conforme o magistrado, "em razão desse princípio, o fato de não haver a previsão de contraprestação a essas contribuições não implica qualquer inconstitucionalidade, sendo de se ressaltar que, conquanto o aposentado não se beneficie diretamente dessa tributação, indubitavelmente a ´saúde´ do sistema previdenciário é reforçada, o que indiretamente vai ao encontro de seus interesses, porquanto já beneficiário desse mesmo sistema", ressalta.
Impacto de benefícios para terceira idade é pequeno
O principal argumento dos que recorrem à desaposentação ou repetição de indébito é que os benefícios para o contribuinte que já é aposentado são inócuos. A começar pelo fato de raramente, devido à idade dos segurados (até no caso dos mais jovens), não ser possível aproveitar uma nova aposentaria.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 5,4 milhões de segurados do INSS optaram por continuar trabalhando, por conta do baixo valor das aposentadorias no Brasil. "Se eu sou aposentado e continuo contribuindo, o que eu ganho com isso?", questiona o advogado previdenciário Ramon Andrade Rosa, do G. Carvalho Sociedade de Advogados.
Na visão dele, o beneficiário tem o direito de entrar com uma ação judicial para receber um novo seguro. O advogado cita o caso de um aposentado, cliente do escritório G. Carvalho Sociedade de Advogados, que recebia R$ 1.251,85 e com a ação judicial favorável, começou a receber R$ 2.660,77. "A diferença é significativa, são 1.408,92 a mais no fim do mês", afirma.
215 vitórias
Só neste ano, o escritório G. Carvalho Sociedade de Advogados conquistou na Justiça 215 decisões favoráveis de desaposentação. "É uma vitória para os aposentados que além de trabalhar durante uma ´vida´ ainda não recebem o que lhe é de direito". Outro aspecto abordado pelos defensores da desaposentadoria é a irrelevância dos benefícios do contribuinte. Quem volta a ter descontado do salário uma quantia para o INSS também pode ter direito à salário-maternidade; salário-família; e reabilitação profissional. Nenhum destes três benefícios efetivamente compensa para quem já passou dos 60 ou 65 anos, ou então já contribuiu por 30 ou 35 anos, no caso respectivo dos trabalhadores do sexo feminino e masculino.
´Peito de homem´
"É como o peito de homem, Não serve para nada. Nem para por sutiã. É um dinheiro empregado a fundo perdido", compara, em tom descontraído, o primeiro secretário da Unapeb-CE, Wilson Novais, acerca da ausência de algum tipo de retorno financeiro imposta pela obrigatoriedade de se recolher mais uma vez parte da remuneração para a Previdência Social.
Informalidade
Segundo Wilson, essa fórmula atualmente adotada pelo regime previdenciário estimula a migração de mais aposentados para o setor informal. "Para não ter essa perda financeira, muitos preferem voltar ao mercado de trabalho em atividades ligadas à informalidade", enfatiza. (ISJ)
Sem parar
5,4 milhões de segurados do INSS optaram por continuar trabalhando, por conta do baixo valor das aposentadorias no Brasil, segundo o IBGE