Uma coisa é a empresa não poder controlar a jornada do empregado que trabalha externamente. Outra, bem diferente, é não fazer isso por conveniência própria. Neste último caso, não se aplica a exceção prevista no artigo 62, inciso I, da CLT, que exclui do regime geral de duração do trabalho os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho. Ou seja, para o empregador ficar livre da obrigação de pagar horas extras, não basta que a jornada do empregado seja externa. Ela também deve ser impossível de ser fiscalizada.
Esse não era o caso da jornada de um motorista de carreta, conforme entendeu a Turma Recursal de Juiz de Fora, ao julgar desfavoravelmente o recurso da transportadora de produtos siderúrgicos e confirmar a sentença que a condenou ao pagamento de horas extras. Conforme observou o relator, juiz convocado José Nilton Ferreira Pandelot, uma perícia contábil realizada nos autos sinalizou que o motorista prestava horas extras e trabalhava em horário noturno. Por sua vez, a representante da ré contou que os veículos eram dotados de rastreador, que permitia o controle da viagem em tempo real. Diante disso, o magistrado não teve dúvidas de que o empregador poderia controlar e fiscalizar a jornada do motorista.
O relator esclareceu a forma de funcionamento do sistema "autotrac" utilizado pela empresa. Segundo ele, o equipamento funciona por meio de sinal de celular emitido a partir do aparelho instalado no veículo. Dali são transmitidas informações para uma central de monitoramento, as quais permitem ao empregador identificar paradas, alterações de rota, horários de início, intervalos e término da jornada. Além disso, é possível verificar onde se encontra o empregado durante o trajeto, a rota escolhida e os horários de estacionamento e repouso. Portanto, na visão do julgador, a fiscalização dos horários de trabalho era plenamente viável.
Ele explicou ainda que o artigo 62, inciso I, da CLT só tem aplicação quando é inviável a fiscalização dos horários de trabalho. Se isso é possível por meio de tecnologia, a regra não se aplica. Vale a realidade dos fatos, por incidência do chamado "princípio da primazia da realidade" . O julgador destacou que se a empresa não controlava a jornada, não era por impossibilidade, mas sim por mera liberalidade e conveniência. Nesse contexto, a Turma de julgadores decidiu manter a condenação da transportadora ao pagamento das horas extras trabalhadas a partir da 8ª diária ou da 44ª semanal, não cumulativamente, além de adicional noturno, com reflexos em RSRs, férias com 1/3, 13ºs salários, aviso prévio e FGTS com multa de 40%. A jornada reconhecida foi a média apurada pela perícia.