O mestre em finanças públicas, Amir Khair, disse ontem ao DCI que por mais que as manifestações que se espalharam pelo Brasil tenham motivado prefeitos a reduzirem as tarifas do transporte público, a reivindicação do Movimento Passe Livre (MPL) de que os lucros dos empresários ajudem a financiar a tarifa está longe de se efetivar. Isso porque, de acordo com o especialista, os empresários do transporte público são os maiores doadores de campanha de prefeitos e vereadores.
"Eles [os prefeitos], em parte, muitas vezes ou são empresários de ônibus ou tem ligações com financiamento de campanha. O setor das empresas de ônibus são grandes financiadores de campanha de prefeitos e vereadores. Isso tem uma explicação: é a prefeitura que fixa e autoriza o valor das tarifas. No Brasil sempre funcionou um esquema de 'caixa preta'. Ninguém conhece a composição das tarifas, nunca é dado a público. Não existe auditoria nas empresas para apurar custos efetivos do sistema", denuncia.
O especialista aponta que além da falta de transparência, falta fiscalização por parte dos tribunais de contas e do próprio Ministério Público. "As tarifas no Brasil, no transporte coletivo, têm um forte componente político porque há um conluio entre o poder público e esse setor privado e tem uma ausência de cobrança da mídia, do Ministério Público, do Tribunal de Contas em termos de transparência não apenas para a tarifa de São Paulo, mas para as tarifas no País e para as tarifas de forma geral de tudo o que é terceirizado".
O especialista em finanças lembra que os prefeitos aceitaram reduzir as tarifas de transporte se o governo federal ou estaduais desonerassem tributos. Amir Khair frisa ainda que houve gestores municipais que deixaram de cobrar o Imposto Sobre Serviços [ISS], e que tal cobrança nunca poderia ter sido feita. Ele cobrou que nenhum dos prefeitos pressionados pelos movimentos de rua admitiram "em nenhum momento recalcular as tarifas com base em custo real e remuneração de acordo com o estipulado em contrato de prestação de serviços".
Passe livre e promiscuidade
Khair afirma que é preciso desde logo repensar a relação entre os setores público e privado porque o que se tem hoje é uma espécie de apoderamento do Estado pelos prestadores de serviço.
"Aqui no Brasil é assim: ou você faz [o serviço] com grande ineficiência com a máquina pública totalmente desaparelhada ou você contrata por terceiros e deixa a 'Deus dará'. Não controla nada e recebe por fora. O preço pago é financiamento de campanha".
Khair, que foi secretário de Finanças na gestão Luiza Erundina (1989-1993), afirma que entre os serviços terceirizados que não são transparentes em relação às planilhas de custos estão água e esgoto, planos de saúde, entre outros.
"Os preços e reajustes dos planos de saúde são absurdos. Estão muito acima da inflação sem nenhuma justificativa ou comprovação. Há um descaso total e geral do setor público com quem paga a conta [o contribuinte]."
Para o professor de Finanças Públicas, a reivindicação do MPL em torno do passe livre é irrealizável do ponto de vista dos municípios. "Não teria condição porque você teria que gastar obrigatoriamente 25% em Educação, conforme a Constituição estabelece, e com Saúde 15%. E tem um monte de outros tipos de despesa para pagar como pessoal. Se você quiser pagar o custo do transporte coletivo é uma conta muito grande. Quem está pagando em grande parte essa conta é o usuário com a tarifa. Em São Paulo o usuário e toda a população, porque a prefeitura subsidia boa parte da tarifa", frisa.
CPI
O vereador Ricardo Young (PPS) protocolou na terça-feira (18) um pedido para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as concessões de ônibus em São Paulo.
O parlamentar teve o apoio de 21 vereadores para levar adiante o projeto. No entanto, são necessárias 38 assinaturas para votar a proposta no plenário da Câmara.
Para Young, "é necessário abrir a caixa preta do transporte público da cidade". O foco da investigação, segundo ele, deve ser os contratos com as concessionárias e permissionárias, a gestão e destinação dos subsídios e dos recursos oriundos da tarifa e ainda a qualidade do serviço prestado, incluindo os terminais de ônibus e pontos de parada.
"Eu sei o quanto é difícil discutir esse assunto com a SPTrans, que ainda não entregou as planilhas de custos e gastos do transporte público em São Paulo para a Câmara. Eles costumam alegar que só devem responder à Prefeitura mantendo a caixa-preta de recursos bilionários cada vez mais escondida da população."
Young ressaltou ainda a importância das manifestações que estão ocorrendo na cidade e a discussão acerca da mobilidade urbana. "Os protestos convocam os governantes a repensar e ousar uma profunda mudança no sistema de transporte. Isso pode acontecer de diversas formas, o que não se pode é permitir que os usuários aceitem as condições atuais", declarou.