Quem nunca ouviu falar da famosa "rádio peão", aqueles comentários que rolam pelos corredores dos locais de trabalho, envolvendo questões relacionadas à empresa, ao serviço, aos chefes ou aos colegas de trabalho? Pois é, a comunicação interpessoal é característica do ser humano e esse disse-que-disse onde quer que pessoas se reúnam chega a ser inevitável. Nem tudo o que circula por esse meio informal de comunicação pode ser verdadeiro, mas quando todos comentam um mesmo fato e repetem a mesma história, isso pode ser um sinal de que alguma coisa de real há na origem dos boatos. Afinal, onde há fumaça, há fogo!
A Justiça do Trabalho de Minas apreciou, recentemente, uma situação em que os comentários que circulavam pela empresa foram utilizados como prova indiciária (todo e qualquer rastro ou vestígio relacionado a um fato comprovado que conduz, por meio de um raciocínio lógico, a outro fato, até então, desconhecido), para manter a condenação de uma empresa ao pagamento de indenização pela dispensa discriminatória de um empregado portador de hepatite C.
A 3ª Turma, julgando desfavoravelmente o recurso da empresa, confirmou o entendimento adotado pelo juízo de 1º grau, no sentido de que, apesar de nenhuma das testemunhas ouvidas terem presenciado os fatos alegados como geradores do dano moral, a ação discriminatória da empresa ficou comprovada. Para tanto, foi considerada a dificuldade de demonstração da prática discriminatória, bem como o relato das testemunhas no sentido de que teriam ouvido comentários a respeito e presenciado o reclamante emocionalmente abalado.
O juiz convocado Márcio José Zebende, relator do recurso, após frisar que a reparabilidade do dano moral está baseado na teoria da responsabilidade civil e tem como objetivo precípuo o respeito mútuo entre os seres humanos, destacou que a situação exigia análise detida da prova oral.
Uma testemunha relatou que não ouviu o encarregado falando com o reclamante acerca da doença, mas ouviu comentários através da "rádio peão". Ele disse ter ouvido que, após retornar da licença médica, o reclamante foi questionado pelo representante da empresa sobre o motivo do afastamento. E, ao responder que tinha sido acometido de hepatite C, o encarregado teria dito a ele que não poderia mais trabalhar ali, pois iria contaminar todo mundo. Esses fatos foram confirmados pela outra testemunha ouvida. Ambas declararam ter visto o empregado deprimido, muito abalado.
Diante da prova oral e dos documentos que comprovam a doença, o relator concluiu que o empregado demonstrou suas alegações de forma suficiente."Entendo, como constatado na origem, que situações como estas, de condução discriminatória, ocorrem de forma velada, sendo que o comentário generalizado na empresa sobre a patologia do Reclamante constitui prova indiciária do alegado. Ademais, ficou comprovada a caracterização do resultado lesivo do ato para o Reclamante, vez que as testemunhas manifestaram que ficou abalado, chateado com o ocorrido", esclareceu.
O relator mencionou a recente Súmula 443 do TST (pela qual presume-se discriminatória a dispensa de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito) para corroborar sua conclusão de que a situação narrada na inicial era plenamente crível, diante da desinformação das pessoas acerca da hepatite C. "Assim, apesar da hepatite C não ser uma doença tão estigmatizada como o HIV, ainda é passível de preconceito perante pessoas desinformadas, que acreditam tratar-se de patologia facilmente contagiosa em razão de sua gravidade e do órgão que compromete, o fígado", pontuou o magistrado, confirmando a indenização de R$5.000,00 fixada na sentença.