Uma mudança recente feita pelo Banco Central (BC) criou condições diferentes para a concessão de crédito para grandes e médias empresas do ponto de vista dos bancos. A medida tem potencial para, no limite, ampliar ainda mais a diferença de custo pago por esses dois tipos de companhias.
Todo mundo sabe do risco maior que pequenas e médias representam. Foi a partir dos indicadores de inadimplência, inclusive, que o BC decidiu mudar a regra do jogo. Mas até março isso não se refletia na alocação de capital dos bancos. Só se espelhava na taxa de juro cobrada pelos empréstimos, costumeiramente maior para empresas menores.
Agora, na prática, ficou mais caro, comparativamente para os bancos, emprestar para empresas menores. Desde o fim de março, a autoridade exige menos capital dos bancos que emprestam para companhias que tenham dívidas bancárias acima de R$ 100 milhões. Se antes um crédito de R$ 100 dado a qualquer tipo de empresa entrava nos cálculos de ativos ponderados pelo risco como R$ 100, agora o empréstimo para grandes companhias é contabilizado como R$ 75, consumindo menos capital próprio das instituições. Para as demais empresas, o cálculo permanece igual.
Não há um consenso no mercado sobre o tamanho do impacto sobre a oferta de crédito. Para o BC, a regra não deverá tornar nem mais caro nem mais escasso o crédito para as empresas em geral, "uma vez que a regra de ponderação de risco para essas exposições permanece inalterada". Além disso, a autoridade diz que ampliou o porte das companhias que se enquadram na categoria varejo, cujo fator de ponderação de risco é de 75%. Enquadram-se nisso companhias com receita anual de até R$ 3,6 milhões, sendo que antes o limite era de R$ R$ 2,4 milhões.
Entre os executivos de bancos, a avaliação é que cada instituição tende a lidar com a regra de forma diferente. Bancos grandes possuem uma linha de produtos diversificada, incluindo alguns que foram beneficiados por outras mudanças feitas pelo BC também em março. Crédito consignado e imobiliário, por exemplo, também passaram a demandar menos capital. Portanto, para esses bancos, é mais fácil migrar para linhas que consomem menos dinheiro, o que permitiria a eles ampliar a carteira de crédito com menos capital.
A situação, porém, é um pouco diferente para bancos que têm como foco as operações de crédito para pequenas e médias empresas. Para eles, de alguma forma, as novas regras do BC vão se traduzir em preços mais elevados para as companhias menores.
Um banco afirma que pode rever seu modelo de negócio. "As novas normas reduzem o fluxo para as pequenas empresas", disse Milto Bardini, vice-presidente do BicBanco, durante seminário sobre regras de Basileia, em São Paulo, na semana passada. "Os bancos vão trocar de arena e procurar outros mercados." Dos R$ 14,2 bilhões da carteira do BicBanco, 39% são para companhias com faturamento anual acima de R$ 500 milhões, fatia superior aos 33% de um ano antes. Bardini diz que essa fatia deve aumentar ainda mais.
Nem todos os bancos falam em mudar o mix, mas se preparam para algum tipo de impacto. Ao longo dos últimos anos, bancos como Pine e Indusval já vinham direcionando seu portfólio para empresas de porte maior devido à percepção de menor risco.
Alexandre Sinzato, diretor de relações com investidores do banco ABC Brasil, prevê que a nova regra do BC pode trazer algum tipo de impacto na fixação de preços dos empréstimos. Mas, para ele, mais importante do que isso na definição das condições da oferta de dinheiro está a inadimplência e a redução da atividade econômica.
Para um banqueiro de uma outra instituição focada em crédito para empresas de médio porte, a exigência de mais capital para os empréstimos a empresas menores vai testar o spread que essas companhias estão dispostas a pagar. Mas, para ele, antes mesmo das novas exigências do BC, os bancos já estavam emprestando menos às pequenas companhias.
Manoel Felix Cintra Neto, presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais, que reúne as instituições de médio porte, diz que há uma tendência de aumento das taxas de juros nos empréstimos para companhias pequenas e médias devido à postura de cautela dos bancos ao atuar no segmento. No entanto, Cintra Neto não vê uma redução do crédito para essas empresas. "O crédito para grandes empresas tem spread menor, e os bancos precisam rentabilizar o capital do acionista", diz.
O Daycoval pretende continuar trabalhando com ambas as modalidades de companhias. Mas Morris Dayan, diretor do Daycoval, avalia que a medida tem mais potencial de afetar os bancos médios, que têm um portfólio de produtos menos diversificado. "Isso não será capaz, porém, de mexer com a oferta de crédito para as pequenas empresas", pondera.
O Banrisul, que tem forte atuação no segmento de pequenas e médias empresas, também não prevê mudanças em sua estratégia de crédito. "Não vamos, em nenhum momento, preterir as empresas de menor porte", afirma Luiz Carlos Morlin, diretor de risco. De uma forma geral, as mudanças na exigência de capital para diferentes modalidades de crédito devem beneficiar o Banrisul. No primeiro trimestre deste ano, porém, enquanto o saldo da carteira de grandes empresas do Banrisul cresceu 39,8% na comparação anual, o de micro, pequenas e médias avançou apenas 9,3%. "O crédito para o segmento deu uma desacelerada, porém estamos acompanhando o mercado." Apesar de a participação do segmento de micro, pequenas e médias empresas na carteira do Banrisul estar em queda, segue maior em comparação com o de grandes empresas, com 32,5% do total ante 14,9%.